Um dia de verão em Mora – parte I
Hoje acordei a pensar em vocês. Disse de mim para comigo, tenho que lhes
contar como é um dia de férias de verão passado em Mora. Depois logo decidem se querem
vir ou não. Se vierem, não vêm ao engano.
Então é assim. Levantar pela manhã ao som do canto dos pássaros. Andam por
ali a chilrear e nem pagam imposto para viver nas árvores dos nossos jardins.
Depois pão fresco, morno, a manteiga a derreter ou o mel biológico a escorrer
pelas fatias cortadas a gosto. Café e ala que lá vou eu. Vou, é como quem diz.
Posso ficar. Esticada ao sol, tipo lagarto, lendo o jornal, ou o livro que se
foi adiando porque a vida corrida da cidade nunca nos deixa tempo para a
leitura prazerosa dos nossos autores preferidos. Se houver piscina, oh, aí a
coisa complica-se. Interrompo a leitura e dou um mergulho? Dou um mergulho e
depois bebo mais um cafezito? Tudo isto requer muita energia. Se calhar não
faço nada. Fico só a mandriar. Decisões difíceis de tomar. E o tempo vai
passando devagar.
Segue-se o almoço, lá pela uma da tarde. Carne, peixe? Migas de coentros
com bochechas de porco, no Solar dos Lilases, feitas pelo Rogério? Ou sopa de
cação? Se calhar, nem um nem outro, prefiro um prato de caça. Já estão a
perceber que a minha vida se complica muito à hora da refeição. Mais e mais
decisões para tomar.
Entretanto, a tarde vai chegando, devagarinho. Esta coisa de tudo acontecer vagarosamente está no ADN do alentejano. Um dia destes vamos pensar em mudar. Mas vai levar tempo, acreditem.
Está calor. O melhor é ficar dentro de casa, ouvir o último disco da minha cantora preferida ou voltar a escutar aquela música do Chet Baker de que tanto gosto. A chatice é que de vez em quando vai apetecer dar mais um mergulho na piscina e lá vou eu ter que me mexer. E se comesse um gelado – ou sorvete, como diz o carioca?
Ao final da tarde a canícula vai dando tréguas. Ah, espera, isto é sinónimo de mais decisões difíceis para quem já tanto fez hoje. Vou tomar um banho ao Açude do Gameiro com a garotada e os amigos? Vou fazer uma caminhada ao longo da Ribeira da Raia para revigorar o corpo? Talvez lá esteja a garça cinzenta e possa vê-la em gracioso voar. Quem sabe ainda vou a banhos nas águas da ribeira.
A noite chega. Janta-se no alpendre. Rosé fresco com uns camarões, uns queijos alentejanos, mais umas fatias de pão cá da terra. Lamento informar, mas não há pão tipo baguete por estas bandas. Temos de centeio, de alfarroba, de milho, mas especialidades francesas ainda não chegaram cá ao burgo. É que a França fica muito longe deste mundo encantado.
Acendo as velas pelo alpendre fora, instalo-me numa rede, deixo-me abraçar pelo fresco da noite, pela melodia do coaxar das rãs, pelo canto das cigarras. Vou-me balouçando, conversando, ouvindo música, até que os olhos começam a fechar-se, o mundo dos sonhos me chama e vou para a cama. Amanhã recomeça toda esta canseira.
Que dura esta vida, estarão vocês agora a pensar. É verdade, admito. Mas a vida também é feita destes sacrifícios estivais.
Volto para a semana para vos contar como é quando me resolvo a não ficar no remanso do jardim.
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