Carlos Maria Trindade em concerto em Pavia com tema inédito

 Carlos Maria Trindade | Auto retrato

Nasceu em Lisboa, viveu em Cascais, na grande urbe. Mas sempre acalentou o sonho de que um dia iria encontrar um lugar onde sentisse, desde o primeiro momento, que era ali que queria estar, viver e morrer. Em paz, em comunhão com o espaço, a natureza e o silêncio, poderoso aliado da reflexão e da criatividade. 

Encontrou esse lugar na Malarranha, Pavia. E é aqui que Carlos Maria Trindade vive há 17 anos. A 25 de Junho dará um concerto de piano, junto à Anta de Pavia, homenageando a terra que o acolhe há quase duas décadas. Sabendo que a autarquia de Mora e a Junta de Freguesia não têm muitos meios financeiros para organizar eventos culturais, decidiu oferecer este concerto a esta terra mágica, a estas pessoas que conhece há muitos anos.

O Mora Mundus foi encontrá-lo em Pavia, onde estivemos à conversa, a falar do seu percurso de vida, das suas reflexões, das suas vivências em terras alentejanas.

Como é que o seu percurso o trouxe até aqui, a estes temas, a este local?

Carlos fala de si: "Comecei a estudar piano aos 6 anos, na escola de música da Fundação Calouste Gulbenkian, escola essa que já não existe. Dediquei-me ao estudo dos clássicos, como Mozart e Liszt." Com eles (con)viveu muitos anos, até ser tocado pela explosão da música portuguesa dos anos 80.

"Fui fundador dos Heróis do Mar, produzi os Rádio Macau e os Xutos e Pontapés, toquei com os Madredeus. Mas tudo o que fiz durante a minha vida, em Portugal e no estrangeiro, foi sempre a pensar em um dia encontrar um lugar que me tocasse desde o primeiro momento e onde pudesse viver e criar música.

Quando cheguei à Malarranha, um lugar onde a natureza está ainda muito intocada, senti que era aqui. Comprei umas ruínas onde construí uma casa e um estúdio. Aqui recebo amigos, outros músicos. Quando chegam ficam impressionados que haja um lugar como este a uma hora de Lisboa. Não há muitos lugares assim perto das grandes cidades na Europa. 

Durante a pandemia tive que me recolher, como todos nós. Aproveitei esse tempo para começar a escrever músicas diferentes do que tinha feito até ali. Pensei, se já há tão bons músicos a tocar Mozart e Liszt porquê fazer o mesmo? Porque não ir por outro caminho? 

Compus várias músicas que toquei em apenas três concertos até agora e que não estão gravadas em disco. 

A mais recente é sobre a guerra. Nas guerras existem dois tipos de pessoas, as que agridem e as que cuidam dos sobreviventes. Um dia estava a ver uma notícia sobre a guerra na  televisão e a música começou a tomar forma espontaneamente. É sobre o ódio e a compaixão."

Normalmente, o músico parte de um tema e vai compondo. Nas minhas mais recentes composições é o contrário. Vou escrevendo a música, inspirado pelo que se passa à minha volta, e no final encontro o título para ela. 

Acha que a música também pode ajudar a contar a história da humanidade?

"Sim, claro. Veja Beethoven, que compôs músicas em louvor de Napoleão. Quando este se tornou um déspota o músico, desiludido, distanciou-se e mudou o título da música que tinha dedicado ao Imperador."

O que trouxe Pavia à sua vida, à sua criatividade?

"O Alentejo tem esta luz especial, com uma inclinação diferente, que cria longas sombras. E que são fontes de inspiração. O final do dia, o pôr do sol, são muito bonitos. Dou grandes passeios ao final do dia. Aqui há espaço, há natureza. 

Na cidade não temos nada disto. Nas cidades estamos todos muito ocupados, há muitas distrações, é um espaço de pessoas, não há tempo para pensar, para reflectir. Pavia é um lugar onde podemos estar em comunhão com a natureza. 

Os acontecimentos recentes, a pandemia e a guerra, mostraram-nos o quão frágeis somos. Mostraram que é urgente cuidar da natureza. Muitas vezes esquecemos isso, estamos muito centrados em nós e em controlar tudo à nossa volta. 

Eu sou um artista. Passo o meu tempo a compor música ou a pensar. Preciso do silêncio que tenho aqui. As pessoas tem medo do silêncio porque associam à morte. Mas o silencio é também o espaço para reflectir, para estarmos connosco.

Fale-nos um pouco deste do tema que escreveu para o concerto de Pavia

"Pavia, o Alentejo, tem esta luz fantástica, especial, com uma inclinação diferente, que cria longas sombras no chão. É uma fonte de inspiração. O tema que escrevi chama-se Luz de Pavia e fala dessa luminosidade. 

É um tema que vai ser tocado pela primeira vez durante o concerto de Junho.

A preparar o concerto | rua D. Diniz | Pavia

 


 

 

Comentários

  1. Uma personalidade única e muito humana de uma criatividade que nos eleva pela sua musica ímpar e sem igual !

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concordo em absoluto. Um valor cultural e humano inestimável que temos no concelho.

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares