CANANÓ, VINHO DE TALHA DE CABEÇÃO
 
 
 
"Em Portugal, o Alentejo tem sido o grande guardião dos vinhos de talha, tendo sabido preservar até aos dias de hoje este processo de vinificação desenvolvido pelos romanos. Ao longo dos tempos, a técnica de fazer vinho em talhas foi sendo passada de geração em geração, de forma quase imutável. Ainda assim, não existe apenas uma maneira de fazer vinho em talhas, variando ligeiramente consoante a tradição local. 
 
Também o crescente interesse dos produtores alentejanos pelos vinhos de talha e a instalação destas vasilhas de barro em algumas modernas adegas, levou A introdução no processo de algumas técnicas e equipamentos que visam facilitar o trabalho sem adulterar a essência da vinificação em talha.
 
 
 
Seguindo os processos mais clássicos ou adotando alguma modernização, o vinho de talha mantem-se como um produto único, sublime representante da milenar cultura do vinho no Alentejo.
 
Não existe apenas uma forma de fazer o vinho de talha. A maneira mais clássica de elaboração do vinho de talha, tal como o ilustre agrónomo António Augusto de Aguiar deixou registado em 1876, não passa por prensa nem lagares fechados, servindo muitas vezes o próprio pavimento das adegas para a pisa e esmagamento da uva. As adegas, muitas vezes com arcos altos, têm janelas grandes por onde a uva é descarregada diretamente para o pavimento que é lajeado e esconso para o centro de forma a que o mosto siga, deslizando, para uma cisterna ou talha enterrada.
 
Esta cisterna tem o nome de “ladrão “(ou também “adorna”, por exemplo na Vidigueira), e serve igualmente como segurança para o caso de alguma das talhas rebentar com a pressão não se perdendo o vinho derramado. À medida que foram sendo introduzidos lagares e esmagadores manuais nas adegas, o ladrão tomou sobretudo a referida função de segurança em caso de rebentamento de talhas, algo que não sucede assim tão poucas vezes.
 
Com a chegada da uva à adega, a mesma é esmagada antes de seguir, com ou sem engaço, para as talhas. Tradicionalmente, e nos casos em que o ladrão é utilizado, o mosto nele acumulado é vertido para as talhas com recurso a canecas ou baldes. Muitas são as adegas onde se encontram ainda ripadeiras (ou mesas de ripanço) para que se faça o ripanço, ou seja o desengace (retirar a parte lenhosa do cacho) das uvas à mão com recurso a um tabuleiro ou mesa formado por uma grade de ripas paralelas de madeira. 
Na maioria dos casos, porém, o desengace é efetuado por desengaçadores elétricos que separam os bagos do engaço.
 
Quanto ao papel do engaço na fermentação, cada produtor e localidade tem a sua própria tradição e modo de fazer: em Reguengos encontramos quem usa algum engaço para contribuir com maior arejamento das massas e permitir um efeito de filtração, e em Cuba é comum usar sempre a totalidade do engaço pelas mesmas razões. Em Cabeção, preferem a fermentação sem qualquer engaço. Atualmente, logo após o esmagamento das uvas é adicionado ao mosto uma pequena porção de dióxido de enxofre(Sulfitos).
 
A fermentação termina, em regra, após 8 a 15 dias da entrada das uvas na talha, demorando ainda mais algumas semanas para que a parte sólida dos cachos (chapéu) que no inicio deste processo estava à superfície se deposite no fundo da talha. Essa parte sólida terá um papel fundamental na filtragem do vinho, quando da trasfega ou da abertura da talha para consumo direto. 
 
 
Depois da fermentação completada e tendo o vinho repousado algumas semanas com as massas, há uma opção a fazer: ou se coloca uma torneira no orifício (tapado com um batoque de cortiça) existente a 30 cm do fundo da talha, muitas vezes recorrendo a ráfia ou palha para vedar, e se serve o vinho diretamente da talha, como no comum nas tabernas; ou a talha é esvaziada numa operação que demora entre 1 a 2 dias, sendo o vinho passado para uma outra talha de barro, onde atravessará o Inverno até ser consumido ou engarrafado no início do ano seguinte (raramente depois de Março). As massas que ficaram na talha onde o vinho fermentou são retiradas manualmente, implicando, regra geral, que um homem de pequena estatura entre no seu interior. O processo acima descrito, com as suas variantes, é tradicionalmente o mesmo tanto para brancos como para tintos, sendo ainda comum a mistura dos dois tipos de uva, dando origem a um vinho rosado chamado de petroleiro exatamente por causa da cor com que ficava.
 
Nesse período, é comum em algumas localidades (como Reguengos) que as talhas contendo vinho sejam resguardadas do ar através de tampas de madeira ou de barro, ou mesmo com papel pardo, (chamada “tampa sólida) que, contudo, não são totalmente eficazes permitindo sempre alguma oxigenação. Já em alguns produtores artesanais da Vidigueira e noutras localidades, a talha mantém-se aberta no topo, apenas com azeite, de um dedo de altura, a impedir que o ar entre em contato com o vinho (“tampa li­quida”).
 
Também é possível, naturalmente, utilizar a talha apenas como vasilha de fermentação e nada mais. Ou seja, depois de o mosto fermentar e dar origem ao vinho, é retirado da talha através de bombagem mecânica, e passado para uma cuba de aço inox ou barrica de madeira, tal como acontece na generalidade das modernas adegas. Apesar de, com este processo, não se usufruir do contato prolongado com as massas e do arejamento típico da talha, tira-se partido da fermentação natural num recipiente semi-poroso e de pequena  capacidade e do trabalho manual de mergulho das massas vínicas no mosto, o que só traz benefícios ao produto final."
 
Fonte: Jornal de Notícias  ⬲ 1 Janeiro 2019
 
 
 

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