A história da Familia Gasparinho, há 80 anos a produzir vinho de talha em Cabeção

 
Filho e Pai
Cabeção, Janeiro 2024

1. A vossa família produz vinho de talha aqui em Cabeção há várias gerações. Contem um pouco dessa história.

Rui Gasparinho - A história da produção de uvas e transformar essas mesmas uvas em vinho, teve início na nossa família, pelo meu bisavô Manuel Gasparinho (avô de António Gasparinho), com a aquisição de uma “courela” na zona dos Concelhos em Cabeção. A courela era uma parcela de terreno (~1.5ha) onde estava a vinha na sua maioria, mas também oliveiras, outras fruteiras, sobreiros e que servia também de horta, onde se cultivavam, favas, ervilhas, batatas, etc. Não conseguimos precisar a data, mas atendendo às memórias deixadas pelo meu avô José Gasparinho, a vinha foi renovada e acrescentada por ele e pelos seus irmão ainda quando eram solteiros, ou seja, finais dos anos 40 do século passado.

Desde então, tanto os trabalhos na vinha, como a produção do vinho, fizeram parte de toda a família, tendo o meu pai crescido com esse espírito incutido. Anos mais tarde, quando da construção da casa dos meus pais, em Cabeção, ficou decido que na cave da mesma iriam fazer uma adega para se colocarem talhas de barro e fazer ali o vinho. Esta foi a primeira divisão a ser terminada e, mesmo antes de alguém habitar a casa, já o meu bisavô Manuel fazia lá vinho, decorria o ano de 1980. 

Importante também para a história da nossa tradição familiar no que ao vinho diz respeito, o meu outro avô, João Salgueiro (lado materno), grande apaixonado pela arte de cuidar da vinha e fazer vinho, adquiriu uma vinha no Outeiro da Camarada e cuidava de uma outra na Tapada. Fazendo o vinho na adega lá de casa.

Pela ordem natural da vida, o meu avô José Gasparinho herdou de seu pai a courela e as talhas e foi nesse mesmo ambiente que eu cresci, ajudando os meus avôs, com quem aprendi muitos dos ensinamentos que guardo até hoje. 

Anos mais tarde, impulsionado por um curso de Vitivinicultura leccionado em Cabeção, foi a vez do meu pai António Gasparinho e do meu padrinho materno António João Figueiredo, se lançarem eles por conta própria neste mundo. Cada um plantou de raiz cerca de 1 ha de vinha nova, já aramada, isto é, uma versão moderna e mais facilmente mecanizável. Se ao longo do ano o trabalho nas vinhas aumentou, eram na época das vindimas que às vezes, numa verdadeira corrida contra o tempo e fugindo das chuvas, tentávamos colher toda a uva e transformá-la em vinho na adega que chegou a ser dos quatro ao mesmo tempo. No entanto, e apesar de toda esta azáfama, era um período de partilha e convivência, ao fim ao cabo bem à moda alentejana.

A vida tomou o seu rumo e todas estas propriedades foram vendidas pelos seus respectivos donos. Ainda assim, ficou no meu pai o gosto por fazer o seu vinho, adquirindo para tal, e até aos dias de hoje, a matéria-prima junto dos produtores locais. 

Curiosamente, foi durante um passeio higiénico, em plena época de pandemia, que passei junto da vinha da Tapada que no passado, como já referi, estava ao cuidado do meu avô João Salgueiro. Talvez por nostalgia, ou por algo que não sei bem explicar, deu-me o impulso de tentar fazer daquela parcela de vinha completamente abandonada, um projecto, embora que pequeno, da minha produção de vinho em nome próprio. Com o conhecimento que fui adquirindo e aproveitando alguns recursos que já possuía como, por exemplo, as talhas de barro em casa dos meus pais, deitei mãos à obra em Dezembro de 2020.


2. Quando é que o António produziu o seu primeiro vinho?
 

António Gasparinho – Desde sempre presenciei e ajudei o meu avô, o meu pai e posteriormente o meu sogro, tanto nas vinhas, como depois na adega. No entanto, posso dizer que o meu primeiro vinho em nome pessoal foi em 2007, fruto da primeira colheita da vinha que adquiri e plantei de novo em 2004.

António Gasparinho

3. Rui, fale-nos um pouco da sua formação, da ligação ao vinho. Diga-nos quando é que produziu vinho pela primeira vez.

 
Como já foi dito na nossa família, a vinha e o vinho fazem parte do nosso quotidiano desde que nascemos e no meu caso não foi excepção. Cresci a ir ajudar nas vinhas e o vinho era feito na cave da casa onde vivia. O vinho tinha uma importância preponderante, sendo assunto em qualquer reunião familiar. Quando dúvidas surgiam, principalmente no que toca à sua produção, eu desejava sempre saber as respostas e sentia que poderia ser por ali o meu futuro. Licenciei-me então em Engenharia Agronómica no ISA (Instituto Superior de Agronomia) em Lisboa, já com vista a frequentar o Mestrado em Viticultura e Enologia, esse sim o meu principal objectivo. Desde então, acho que essa curiosidade nunca me abandonou e até fez com que me deslocar a vários países, a fim de ver fazer, observar, aprender. É facto que a viticultura no mundo pouco tem a ver com talhas de barro ou com técnicas ancestrais como as utilizadas em Cabeção, mas pouco a pouco, o vinho de talha vai sendo cada vez mais conhecido, reconhecido e experimentado.

No entanto, ajudar a fazer ou ser pago para fazer sob a orientação de alguém não é igual à sensação e à responsabilidade de ser eu próprio a fazer. Por isso, este ano tive a felicidade de conseguir colher as primeiras uvas da vinha que tenho vindo a cuidar e com a ajuda crucial do meu pai produzi pela primeira vez este vinho branco da colheita de 2023, que afortunadamente foi premiado.

Rui Gasparinho

4. Em Janeiro de 2024, o vosso vinho branco ganhou o primeiro prémio no II Concurso do Vinho de Talha de Cabeção. Falem um pouco da história por trás desse vinho.


RG – A história desde vinho branco, inicia-se logicamente na vinha. Como referi anteriormente, iniciei os trabalhos em Dezembro de 2020, não consigo dizer ao certo, mas acredito que a vinha tenha estado abandonada (sem ser cuidada) pelo menos uns 10 anos. Foi necessário um árduo trabalho de limpeza do terreno, poda, fertilização e organização. 

Naturalmente que devido ao estar desprezada, a primeira colheita digamos que considerável para elaborar vinho, foi o ano passado. Trata-se uma vinha bastante velha, não-alinhada mas com um compasso médio de 1m*1m, conduzidas em vaso, onde existe uma mistura de castas que não conheço na sua totalidade entre brancas e tintas, no entanto maioritariamente brancas. Considero que esta vinha reflecte inteiramente a realidade da vinha velha em Portugal e mais especificamente em Cabeção, onde existe uma tradição de produção de uvas e vinho de talha, fundamente brancos, pouco conhecidos e arrisco a dizer até um pouco esquecidos no panorama nacional.

Devido à minha condição profissional, as operações culturais na vinha são feitas um pouco ao ritmo da minha disponibilidade e com ajuda aqui do meu pai sempre que necessário e a vindima não foi excepção. Por ter de me ausentar do país, fui forçado a antecipar a dada de colheita, um pouco do que tinha idealizado e por não ter quantidade suficiente para encher a talha destinada à produção de vinho branco, perfez-se a quantidade com a aquisição de uvas também de uma vinha igualmente velha, que conheço e sei que é tratada com maior dos cuidados. Deixando então a uva desengaçada e esmagada dentro da talha, segui viagem nessa mesma tarde, deixando ao meu pai a tarefa de cuidar deste vinho o tanto melhor que soubesse e pudesse. Apesar de alguma assessoria que ia dando à distancia, foi ele quem realizou efectivamente as tarefas necessárias até à minha chegada em Novembro. Após estes meses de repouso sobre as massas como é característico do vinho de talha, procedemos à abertura da mesma no passado dia 10 de Janeiro. Por todas estas razões decidi e acho que justamente, enviar este vinho a concurso em nome de nós os dois, já que foi feito a quatro mãos.

Tal como a Karla disse, e para nossa enorme satisfação, este vinho branco venceu o II Concurso de Vinho de Talha de Cabeção, que decorreu durante a XXVII Prova do Vinho Novo de Talha em Cabeção, evento em que como família participamos desde a 1ª adição, onde oram em 1993 ambos os meus avôs (José Gasparinho e João Salgueiro) fundadores.

foto | António Gasparinho
 

5. Este é um vinho feito a partir de vinhas velhas. Qual é a mais-valia dessas vinhas para a qualidade do produto final?


RG - Foi-me transmitida uma ideia que aqui partilho e acho que explica de uma forma simples e prática: a vida de uma videira pode ser comparada ao trabalho de um ser humano, quando jovem produz tudo assim um pouco desregulado com pouca qualidade, depois em adulto produz muito com uma qualidade média, mas é quando chega a velho que a sua sabedoria proporciona os melhores resultados, aquela primazia que só a experiencia traz. Produz pouco, mas o que produz é de máxima qualidade.

Numa vinha velha é fundamental respeitar as plantas, aceitando o seu baixo rendimento e, sabendo que se o clima ajudar, elas vão dar-nos o seu melhor. Sei que muito tenho a aprender no que respeita à viticultura e à enologia, mas posso dizer que tenho noção da mais valia que as vinhas velhas possuem face às vinhas mais jovens, daí ter escolhido também as uvas de uma vinha igualmente velha para perfazer a quantidade para encher a talha que fizemos deste Vinho Branco.
 

6. Que projectos têm para os vossos vinhos?

 
RG – Confesso que não sou pessoa de fazer grandes projectos para o futuro, ainda assim, não queria nunca deixar de produzir vinho, nomeadamente um vinho da minha autoria. Além de que há uma espécie de tradição familiar e orgulho de ser produtor de Vinho de Talha que não quero perder. No que respeita à vinha que cuido, gostaria primeiramente de identificar todas as castas que a compõem e seguidamente enxertar e replantar parte da área que se perdeu durante o período que esteve ao abandono. Também gostaria futuramente de registar uma marca de vinho e poder começar a comercializá-lo, mesmo que seja em quantidade limitada.

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